Vai Corinthians! 👍
Num ano tão cheio de memórias importantes e marcantes pra mim, consegui chegar ao fim me sentindo pertencente a alguma coisa de novo -- exatamente a ~única coisa que meu pai deixou de herança pra mim
Oi! Essa é a edição #03 de tardigrado, newsletter feita por uma pessoa muito cansada, que não aguenta mais, mas continua aguentando. Não tem muito o que fazer e, se chegamos até aqui... ;)
Terminamos 2024 com 100% de aproveitamento no envio de e-mails todas as segundas com textos com reflexões sobre cultura pop, o mundo que a gente vive e tudo o que se passa nessa cabeça enorme que vos escreve. Em 2025 veremos se mantemos esse calendário e periodicidade. ;)
Nessa edição!
Corinthians, 2024 e o Corinthians em 2024: pertencendo a algo novamente
O ano terminaaaa… e nasce outra veeeez!
E mais: um artista que gostaria de ser sufocado, jogo Brasileiro baseado em Rhythm Heaven e um podcast pra quem não é tão terrivelmente online
Aproveite pra já se inscrever e passar a receber essa newsletter diretamente no seu e-mail! É, como eu disse, de graça! Pelo menos por enquanto. ;)
We will never walk alone
Parei de frequentar estádio ali no fim de 2016, no dia em que o André Balada errou um pênalti que eu não vi por estar de costas, pronto pra ir embora caso ele errasse -- o que fiz, sem olhar pra trás, mesmo com um gol de alguém enquanto eu seguia rumo a estação Artur Alvim.
Até hoje eu não vi essa cobrança de pênalti. Eu tava puto, desgraçado da cabeça com aquele time que não tinha qualquer compromisso com a torcida e o clube, e com a própria torcida, que não tinha qualquer compromisso com o time e o clube. Aquela selfie com a bola na cadeira Oeste, com o Palmeiras vencendo por 2x0... eu não me sentia mais entre os meus. Me sentia mais pertencente a alguma coisa gritando com a galera na janela do apartamento as 23h do que abraçado com desconhecidos num poropopó.
E se tem uma coisa sobre mim que pode te ajudar a entender quem eu sou: eu preciso pertencer a alguma coisa. Na terapia já tratei disso, de maneiras saudáveis disso acontecer, mas é um fato… eu preciso pertencer. Minhas experiências precisam ser coletivas, compartilhadas. Fazer parte. Eu não sinto bem sozinho. Não gosto, não adianta.
Foram vários anos em sequência no concreto do Pacaembu e, depois, três nas cadeiras brancas da então chamada Arena Corinthians, quando cancelei meu Fiel Torcedor e passei a ir ao estádio só eventualmente -- ainda sem me sentir parte daquilo tudo. A última vez que tive a sensação de que éramos um só, torcida, time, torcida e time, foi em 2015, durante a campanha do Brasileirão. Naquele ano eu ainda cogitei ir a São Januário só pra estar no dia em que o Corinthians fosse matematicamente campeão, mas fui rapidamente demovido da ideia -- acabei comemorando na praça Roosevelt com uma daquelas "pizza de 10" que me fizeram entender porque carioca coloca ketchup em pizza e, depois, vendo ao vivo o “Eterno 6x1”, a maior e melhor experiência que tive dentro um estádio de futebol.
O ano de 2015 foi também o primeiro ano sem meu pai. Foi ele quem me levou pro Canindé e depois pro Pacaembu (Morumbi também, mas sempre a contragosto). Meu pai nunca se mexia em gols, só aliviava a ansiedade com um suspiro e uma ajeitada na cadeira. Ele sempre comprava picolés de chocolate e aquele monte de amendoim com casca, que eu não conseguia de jeito nenhum descascar (e não consigo até hoje). Me arranjou uma camiseta da torcida Corinthians Até a Morte (que descobri recentemente que ainda, olha só, tá viva!) e pediu pra deixarem eu chacoalhar um bandeirão em algum dos jogos, quando ainda podiam os mastros de bambu, e pouco antes de ter de me explicar porque pessoas que torciam pro mesmo time estavam brigando. Me contava várias vezes as histórias que envolviam os Borbolla e o Corinthians (teve candidato a presidente, minha vó jogando basquete profissional, ele mesmo jogando "handebol" e tantas outras). Saiu comigo pra comemorar o Paulista de 1988, o Brasileirão de 1990, de 1998 e estava lá comigo no de 1999. No dia seguinte ao Mundial de 2000, encheu a casa onde estávamos hospedados em Ubatuba de pôsteres. Sempre arranjava com o Seu Amadeu camisas autografadas e uma vez deu um jeito com o Arizão de eu entrar em campo e tirar foto com o Ronaldo Giovanelli. E, entre tantas outras coisas ao longo de 30 anos, fez um 👍, num dia que não falava nada e mal respondia as coisas e as pessoas, depois de eu me despedir dele com um "Vai Corinthians!".
Eu não sabia, mas seria a última vez que nos falaríamos. Ele tinha tido um AVC dois dias antes e, pouco depois de eu ir embora do hospital nesse terceiro dia, teve outro. Era uma quarta-feira. Na sexta, 14 de Novembro de 2014, foi constatada a morte cerebral.
Não fui ao estádio nenhuma vez em 2024. Por que iria, se o sentimento se mantinha? Em 2021 fui uma vez logo no primeiro jogo aberto pós-pandemia (precisava me sentir parte de qualquer coisa); em 2023 meu primo me levou em dois ou três e eu ainda vi as Brabas ganhando a Supercopa com o Mó. Esse ano era tanta coisa acontecendo na minha vida e tanta coisa não acontecendo no futebol que a ideia não fazia muito sentido.
Mas os meses foram se passando e… quem diria, hein? Nenhum Corinthiano imaginava terminar o ano do jeito que terminou: não querendo terminar. Esse Corinthiano aqui, então, que o diga. Um ano em que pela primeira vez eu pensei de verdade em assinar novamente o Fiel Torcedor. Um ano em que eu de fato me senti parte de algo maior. Um ano em que eu quis as camisas de jogo e ganhei (tailandesas, porque calma lá), que pude (por diversos motivos) tirar algumas outras do armário, que no momento em que escrevo isso cogito pendurar uma bandeira na parede do meu quarto, como se fosse minha cabeceira… eu tou até pensando em doar lá pro rolê do estádio! Um estádio que eu nunca pedi, que cagaram na administração da história e que agora uma galera que paga caro pra cacete pra entrar ainda precisa pagar pra diminuir dívida!
Foi um ano em que deu pra sentir na pele exatamente o que a história DIZ quando o assunto é "23 anos de fila e a torcida só aumenta". Foi um ano em que a torcida fez um time, e um time fez uma torcida. Um ano em que todos foram um só. Em que, mesmo ganhando nada além de classificação pra pré-Libertadores, havia orgulho na troca de olhar entre os TRANSEUNTES se cruzando pelas ruas. Todo mundo sorriu com as comemorações do Garro e do Memphis, vibrou pela primeira vez no apartamento novo com as defesas do Hugo, e ninguém (absolutamente NINGUÉM) fez uma crítica que fosse ao Yuri Alberto. Cássio? Carlos Miguel? Quem são? Romero é PAULERA!
Também foi um ano em que se completam 30 desde que eu ganhei o meu primeiro computador. Aquele tal de 486, com 4MB de RAM e 800MB (!!!!) de HD. Foi onde eu aprendi, com uma apostila e muito tempo livre, a programar HTML (o que, em resumo, nos trouxe exatamente até aqui). Foi, basicamente, um ano em que eu tive a chance de me reconectar com quem eu não sabia que eu era. Um dia fui. Que eu provavelmente ainda sou, mas fiquei num limbo de vinte e tantos anos e só agora tou acordando do que foi tudo aquilo.

Esse ano fez 10 desde que meu pai morreu. Um ano em que as habilidades dele com uma furadeira teriam me dado horas de sono e poupado alguns reais. Ou não. Mas montar um apartamento do zero teria sido mais divertido, já que antes dele eu sequer imaginava a ideia de uma profissão "montador de móveis". Pra mim, ou já vinha tudo assim, ou era ele que fazia, sei lá. Lembro de quando mudamos (a única vez com ele), que a gente ia pro apartamento vazio instalar tudo -- luzes, chuveiro e o que mais fosse. Eu lembro de ouvir num radinho jogos em que o Bobô marcou gol pelo Corinthians e não pelo Bahia, em que o Bragantino tomou virada depois de o comentarista dizer que a defesa havia recuado. Me lembro como se fosse hoje.
Minhas lembranças com meu pai, infelizmente, são todas de infância e início de adolescência. Depois a vida aconteceu e... apesar de sempre querer, nunca pude comer uma pizza na Vera Cruz numa boa, ou beber uma cerveja num bar só porque sim. A vida é complicada. Mas uma coisa eu consegui compartilhar -- mesmo que mais interessado nos amendoins, mesmo que de longe, mesmo que sem nenhuma palavra: o Corinthians.
No dia em que ele morreu, o site do Corinthians publicou uma nota de pesar e mandou uma bandeira que ficou sobre o caixão durante o velório, junto com a mesma que tou cogitando pendurar na minha parede e que havia, naquele mesmo ano, entrado em estádios durante uma Copa do Mundo (sim, são 10 anos disso também).
Mas estamos em 2024. O ano em que o poropopó virou não só uma coisa da torcida, de um estádio inteiro, mas também dos jogadores. O ano em que o Corinthians masculino e as Brabas começam a voltar a ser só um Corinthians. O ano em que o Corinthians e a torcida voltaram a ser uma coisa só. O ano em que todas essas coisas estão na minha pele. Pra sempre.
Obrigado por isso, pai. Vai Corinthians!
É como diz a Simone, né
Falei tanto de um ano, de outros trinta a menos, dez a menos, e não sei se deu pra perceber, mas eu levo um pouco a sério essa coisa de números de anos. Ou melhor, as marcações temporais desses números, eles especificamente não importam.
Funciona meio que assim: quando o relógio vira de 31 de Dezembro de um ano pra 01 de Janeiro de outro é como se tudo o que aconteceu nesse um ano fosse colocado numa caixa e guardado num armário de memórias que eu eventualmente acesso, começando um rolê todo novo.
Eu sei que não muda nada pra quem não tem coração. Mas se eu penso assim de um dia pro outro, de uma semana pra outra, mês pro outro... Imagina de ano pra ano? Ajuda a compartimentalizar (tá certa essa palavra?) as coisas na hora de olhar pra trás e, principalmente, ajuda a deixar tudo mais leve na hora de ir pra frente. É como tomar um banho, sei lá.
Tudo isso pra dizer que tou esperando demais essa chegada de 2025 porque preciso guardar 2024 nessa caixa. Preciso que ele fique ali, pra que eu olhe pra ele, procure umas coisas -- umas lembranças, umas fotos, umas lições -- mas não precise viver aquilo tudo. Não precise lembrar que "tal coisa foi em Abril", "aquilo não foi em Julho", e sim "foi ano passado". "Nossa quanto tempo!". Mas foi "ano passado".
Que 2024 seja "ano passado" logo. E que o próximo ano seja tranquilo, no mínimo, pra gente. Que sobrevivamos 2025! E até ano que vem. ;)
Se possível, sufoque o artista (de leve)
Como alguns de vocês sabem, eu faço uns desenhos por aí. Ou melhor, eu fiz um pouco durante a pandemia, depois no fim de 2022 e em 2023 eu investi numa ideia de fazer umas comissões -- postei algumas coisas lá no Instagram, tanto no @borbs quanto no @borbsdraws, além do ArtStation.
Em 2025 eu tou precisando querendo fazer mais desenhos e, olha só, voltar com as comissões. Vou aproveitar então essa que é a última edição de tardigrado do ano pra dizer que se você quiser um desenho meu, já pode encomendar! Ainda vou demorar um pouco pra pegar o ritmo, mas... é só ir lá no borbs.net/desenhos, ler e preencher tudo direitinho que a gente começa a conversar sobre arte. :)
E já que estamos aqui…
🕺 Não conheci Rhythm Heaven, jogo em que o brasileiro RitMania, que foi anunciado nesse fim de semana lá no Bluesky, foi abertamente inspirado. Não era, nem sou, nintendista. Mas conheci Patapon (não que eu seja Sonysta, mas né), entendi qual é o rolê e achei maravilhosa a ideia não só de trazer ritmos Brasileiros como convidar artistas Brasileiros para as fases. Vai sair no Steam daqui a pouco, a quem interessar possa. :)
🛜 Aproveitando a viagem pós-Natal, pré-Reveillon (mais de 12h num ônibus, que inferno, mas os fins justificam os meios), comecei a ouvir o Terrivelmente Online, novo podcast da Marie Declercq. É exclusivo do Audible, mas tem aquela coisa de um mês grátis pra todo mundo e três se você for Prime. Ouvi dois episódios até agora (tentei dormir e não me irritar com o universo nas outras dez horas) e o que sinto é que… hm… meio que é um podcast pra quem nunca ouviu podcast AND não fazem ideia do que a Marie produz. Me incomoda um pouco, mas vamo lá. Quem quiser dar uma chance, tá aqui.
📮 Quer falar sobre alguma coisa que leu aqui? Você que já se inscreveu pra receber essa newsletter no seu e-mail pode só responder normalmente ou adicionar um comentário no app / site! Se ainda não tiver se inscrito, aproveita e click aqui. :)